domingo, 19 de agosto de 2012

Sermão aos peixes

A costa brasileira é palco de disputa internacional por seus ricos cardumes de atum. Arrendados por ex-autoridade que controlou pesca no Brasil entre 1998 e 2002, navios japoneses são acusados de ameaçar estoques e economia local. A bordo de concorrente nacional, a Folha assistiu ao confronto nas águas do RS. Talvez fosse um pecado ter matado o peixe. Suponho que sim, embora a carne fosse para me conservar a vida e para alimentar muita gente. Mas então tudo é pecado. Não pense no pecado, meu velho. [...] "Mas você não matou o peixe apenas para conservar-se vivo e o vender para alimento", pensou ele. "Matou-o por orgulho e porque é um pescador. Amava o peixe quando estava vivo, afinal ainda o ama morto. Se o ama, com certeza que não foi pecado matá-lo. Ou será ainda pior?" Ernest Hemingway "O Velho e o Mar" (trad. Fernando de C. Ferro) Primeiro, surge uma boia; depois, uma linha diferente e anzóis de estranhos feitios. "Câmbio, Kinei Maru 108, aqui Gera 8. O nosso material emaranhou com o de vocês", avisa pelo rádio o capixaba Celso Rocha de Oliveira, 53 anos, 18 deles dedicados à pesca ao atum. O Kinei Maru 108, de bandeira japonesa, não demora a aparecer diante do pequeno Gera 8. Nos respectivos conveses, tripulações e comandantes se encaram. O piloto japonês está seminu, com toalhas enroladas na cintura e na cabeça, apesar do frio de 3 ºC. A escaramuça acontece a 180 km do porto de Rio Grande, no extremo sul do Rio Grande do Sul, quase no limite do mar territorial uruguaio. O dia é 15 de julho. O comandante do Gera 8 pede para falar com o do Kinei Maru. "Negativo. Ele não fala português. Se quiser, tem de ser em inglês", responde o operador de rádio, um dos cinco brasileiros a bordo, de um total de 30. "Kinei Maru, eu estou pedindo a vocês que saiam da área, porque nós pescamos aqui há mais de dez anos e vocês invadiram o local", fala Oliveira. O Kinei Maru corta a conversa: "O comandante disse que não vai sair. Falamos de novo sobre esse assunto à noite, ok? Câmbio". As linhas emboladas são cortadas, pondo a perder anzóis e iscas. Os barcos se afastam. GUERRA Com 8.500 km de costa, o Brasil controla uma faixa oceânica de 3,5 milhões de km2 conhecida no direito internacional como Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que corresponde às famosas 200 milhas náuticas (370 km). É bem ali, numa tripa de oceano de 15 km por 200 km (3.000 km2, ou 0,09% do total da ZEE), que se trava a "guerra do sushi" entre brasileiros e japoneses. Todos atrás do atum. "O atum é a nova baleia!", sentenciam amigos em grupos de defesa ao peixe no Facebook. Referem-se às campanhas da década de 80 que, com o slogan "Salvem as baleias", conseguiram a interdição da captura comercial dos grandes cetáceos, salvando-os da extinção. Pertencente ao gênero Thunnus, que abriga oito espécies da família dos escombrídeos, o atum foi entronizado nos últimos 30 anos como iguaria global, na forma de sushi e sashimi, ou apenas selado na chapa quente. Dez entre dez restaurantes japoneses, não importa onde, na Hungria, na Austrália ou na Rússia -e, no Brasil, também nas boas churrascarias e restaurantes por quilo-, disputam sua carne tenra e rubra. Símbolo da era de ouro do atum, o mercado de Tsukiji, em Tóquio, é uma espécie de Sotheby's das peixarias, leiloando carcaças congeladas que alcançam preços de obras de arte. No início deste ano, um espécime de 269 kg foi arrematado por uma rede de sushis de Tóquio por US$ 736 mil, ou R$ 1,5 milhão -valor que compra um Portinari menor ou uma boa tela de Beatriz Milhazes. Pelo menos o atum-azul (Thunnus thynnus) está ameaçado de extinção. Segundo a oceanógrafa Sylvia Earle, da National Geographic Society, maior referência mundial em oceanografia, 95% da população global já virou sushi. As demais espécies correm o risco de sobrepesca (quando a captura supera a capacidade de reposição). Ambientalistas, oceanógrafos, vegetarianos e até sushimen já começam a se agitar: "Salvem o atum!". Nos EUA, acaba de estrear o documentário "Sushi: The Global Catch" (veja trailer em bit.ly/sushicatch), sobre a globalização do peixe cru e seu impacto nos estoques de atum -peixe selvagem que, à diferença do salmão, não se deixa domesticar. A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) aponta que a pesca em alto-mar provê as 6,6 milhões de toneladas anuais de atum que consumimos. Da aquicultura vieram minguadas nove toneladas. Em seu livro-reportagem "Four Fish" (quatro peixes), o jornalista Paul Greenberg afirma que o desafio colocado diante da humanidade é reavaliar "se os peixes são em sua essência comida ou vida selvagem desesperadamente necessitada de nossa compaixão". Nesses tempos de cardumes magros, a piscosa costa brasileira entra na disputa como uma das últimas fronteiras ainda inexploradas: em 2011, não passou de 10 mil toneladas o total de atuns capturados em nossas águas, ou 0,15% do total apontado pela FAO, segundo o Ministério da Pesca. O Gera 8 e o Kinei Maru 108 se encontraram num pesqueiro rico, no cruzamento de correntes marítimas que vêm da lagoa dos Patos, no litoral gaúcho, e do arquipélago das Malvinas. Entre maio e agosto, surge ali um oásis de plânctons (microrganismos aquáticos) que atrai os cardumes de atum, peixe migratório de longas jornadas. Atrás deles vão os pescadores. Os modernos navios japoneses medem até 60 m da popa à proa, têm autonomia para operar por 90 dias sem aportar e armazenam em seus porões frigoríficos até 200 toneladas de pescado, a -60ºC. Já os atuneiros brasileiros têm 15, 20 anos, foram adaptados de outras modalidades de pesca e chegam, no máximo, a 24 m de comprimento. Sem frigoríficos, exigem constante vaivém entre a zona pesqueira e o porto, para se abastecer de gelo e descarregar o produto. Pescadores, indústria de pescados, sindicato de armadores e entidades ambientalistas não se conformam com a concorrência nipônica. Principalmente porque ela acontece sob o beneplácito do ministro da Pesca, Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo da Igreja Universal do Reino de Deus que chegou ao comando da pasta em março. É como se os japoneses pescassem com jamantas, e os brasileiros, com carrinhos de feira. "As embarcações deles devastam nossos cardumes com um volume de pesca superior à capacidade de reposição", acusa Torquato Ribeiro Pontes Neto, da indústria de pescados que leva seu nome, sediada em Rio Grande (RS). "Prejudicam toda a cadeia produtiva ligada à pesca, já que o peixe sai de seus porões para embarcar diretamente em um cargueiro japonês." Oliveira, o mestre do Gera 8 que tentou afastar o Kinei Maru 108, confirma: "Não mato um terço do que matava há 15 anos. E os peixes estão menores. A gente pega peixe pequeno porque não está dando tempo para ele crescer. Posso dizer que está acabando. Conheço isso". ARRENDAMENTO O Ministério da Pesca promoveu o milagre da multiplicação dos peixes nos porões dos barcos japoneses ao facilitar o arrendamento de embarcações estrangeiras por empresas brasileiras. Uma delas é a Atlântico Tuna, que opera desde março de 2011, tendo faturado no ano passado US$ 9 milhões com a exportação de 2.000 toneladas de atum, ou um quinto do volume que o país pescou. Ela pertence ao economista paraibano Gabriel Calzavara de Araújo, dono ainda de outra empresa do ramo, a Norpeixe, além de ex-diretor do Departamento de Pesca e Aquicultura do Ministério da Agricultura (1998-2002, no segundo governo FHC). Com a publicação do decreto 2.840, de 10/11/1998, sob a gestão de Calzavara, foram relaxadas as severas restrições ao arrendamento que acabavam desanimando os postulantes. Segundo o engenheiro de pesca José Dias Neto, o decreto aboliu o período máximo de três anos de arrendamento, autorizando-o por prazo indefinido. Além disso, ficou permitido, desde que com autorização ministerial, o desembarque em portos estrangeiros, levando ao descontrole da produção, à perda de postos de trabalho no processamento em terra e à evasão de divisas, entre outros problemas. Por fim, o decreto permitiu que haja, nas tripulações, brasileiros em número inferior aos dois terços previstos em lei. "Na prática, isso tornou-se a regra", afirma Dias Neto. O primeiro a ocupar a pasta da pesca, na qual despachou entre 2002 e 2006, José Fritsch (PT-SC) chegou a suspender todo arrendamento. "Sempre achei que o caminho não era esse. Preferi investir na modernização da frota pesqueira brasileira", disse à Folha. Em 2010, porém, os arrendamentos voltaram com tudo. Das 17 licenças para pesca de atum distribuídas naquele ano a embarcações estrangeiras, 16 foram dadas a barcos japoneses arrendados pela Atlântico Tuna, de Calzavara. Em troca de 85% a 90% das vendas, os japoneses entram com o navio, o equipamento, as iscas, o combustível, a tripulação e o seguro. Cabe a Calzavara obter as autorizações oficiais, apurando pelo menos 10% das vendas. Para Giovani Genázio Monteiro, presidente do Sindipi, Sindicato dos Armadores e das Indústrias de Pesca de Itajaí e Região (SC), "o Brasil só tem prejuízo com o roubo oficializado a nossos estoques. O arrendamento transforma, num passe de mágica, navios japoneses em brasileiros". "A política de arrendamento é típica de países africanos, particularmente os do litoral atlântico", diz o oceanógrafo Jorge Pablo Castelo, 71, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). "Namíbia, Angola, golfo de Guiné. Países pobres, necessitados de divisas, que vendem licença de pesca a países que possam pagar. Não deveria ser o caso do Brasil, com potencial para política pesqueira autônoma." OUTRO LADO Em defesa de seu negócio, Calzavara diz que está trazendo a melhor tecnologia de pesca de atum ao Brasil. "Os japoneses estão ensinando ao país como aproveitar os imensos e ainda inexplorados recursos pesqueiros", afirmou à Folha. "Estamos buscando uma condição de identificar os recursos e saber onde estão. Temos o controle das capturas. Temos de pegar a estatística de capturas e analisá-las profundamente, como está sendo feito. São dados públicos, acompanhados pelo Ministério da Pesca no desembarque. Estamos vendo que temos um estoque muito maior, temos o recurso perto da gente. Sou contra o arrendamento que não agrega informações. O objetivo do arrendamento é abrir fronteiras", afirmou o empresário. A reportagem obteve registros de pesca de atum realizados nos anos 50 por um navio japonês de prospecção, operando da mesma região do Rio Grande do Sul. E perguntou a Calzavara por que, se o propósito dos arrendamentos é "identificar os recursos e saber onde estão", a pesca do Kinei Maru, por exemplo, estava sendo realizada em pesqueiro já tão conhecido. "Os navios japoneses precisam concluir o trabalho de informação. Quando isso acontecer, talvez nem precisem vir mais", disse o empresário. Sobre o porquê de a Atlântico Tuna ser a única arrendatária, hoje, de barcos estrangeiros, Calzavara foi lacônico: "Sei lá. Tem de perguntar para eles. Não para mim. Quem quiser que vá buscar". ALTO-MAR A Folha acompanhou uma pescaria em alto-mar, a bordo do Gera 8. Um dia depois de zarpar, o convés amanheceu coalhado de restos do jantar da véspera -nem os nove experimentados tripulantes souberam segurá-lo no estômago. Foram 44 intermináveis horas entre o porto de Rio Grande e o pesqueiro de atum, a 180 km dali, na beirada da plataforma continental (a porção de "fundo do mar" que acompanha o litoral). Navegação em velocidade lenta, 6 km/h, já que o vento estava forte: "Força 7, muita calma aí, câmbio", pediu Lelê ao mestre Oliveira. No rádio, explodiam irritantes pshhh-pshhhh. Na escala de Beaufort, usada pelos pescadores, a força 7 é quase um vendaval, capaz de levantar as ondas a seis metros de altura. O barquinho escala os morros de água e logo despenca no vácuo. E de novo, de novo, de novo. A pesca industrial em alto-mar não é para os fracos. O barco escoiceia, e até mesmo ficar sentado torna-se desafio de rodeio. Romir Vieira Ribeiro, 39, encarregado de pesca em Rio Grande, explica: "Lá fora [no mar], tudo é muito. Quando faz sol, faz sol o tempo todo. Quando venta, venta o tempo todo. Quando chove, chove muito". Seu lamento lembra as canções de Dorival Caymmi. "Esses pescadores saem sem saber se voltam. Vão pescar sem saber se conseguirão. Deixam a família sem saber se a encontrarão na volta. Para os marinheiros não há dia ou noite e as jornadas de trabalho facilmente ultrapassam 16 horas." No dia em que os anzóis brasileiros se enroscaram nos japoneses, a jornada tinha começado às 2h, com o lançamento ao mar do espinhel, uma cortina de 800 anzóis de aço inoxidável, espalhados ao longo de um linhão de 80 km. A ventania da véspera havia amainado para força 3, com ondas de no máximo 1,25 m de altura. "Está muito bom", comemorou o piloto. Cada anzol foi guarnecido de uma lula fresquíssima -o atum tem o paladar refinado. "Se ele perceber que a isca está morta, não come", explicou o pescador. Às 6h, o espinhel começou a ser puxado de volta, com a ajuda de uma grua. Presos nele, os peixes são fisgados na cabeça -preferencialmente nos olhos- pelo bicheiro, anzol gigante com cabo de madeira e na cauda, a fim de trazê-los a bordo. O primeiro a subir foi um tombo, ou albacora-branca, "atum de latinha", dizem os pescadores, com baixo valor de mercado. Depois veio um yellowfin, ou atum-amarelo; então, uma meca, ou marlim-branco, ou espadarte, a mesma espécie que Santiago enfrenta na obra-prima de Ernest Hemingway, "O Velho e o Mar". Por fim, o rei daquelas águas: um bati, ou yel-lowfin gigante, de 103 kg. "Tem de segurar firme, senão ele carrega você até a água", explica Arnoldo dos Santos, 48, pescador há 30 anos e cozinheiro do Gera 8. O convés estava forrado de colchões -caso o peixe se debata no chão, não podem se formar hematomas, que desvalorizam a carne. "O sashimi tem de estar perfeito", preocupava-se o comandante. O atum tem sangue quente: cruza os sete mares com temperatura corporal até 10ºC superior à do ambiente, o que lhe permite migrar de águas equatoriais para temperadas sem dificuldades. Ele nada, nada, até quando vai morrer. Com o bicheiro cravado na cabeça, ele nadava. Com o chucho -espécie de chave de fenda- enfiado no coração, para sangrá-lo, ele nadava. Pendurado pela cabeça, nadava. Arrancaram-lhe as guelras e, mesmo assim, dez minutos depois, o bicho ainda nadava. Um tripulante enfiou-lhe o chucho na cabeça. Ele insistiu. Pelo buraco aberto no cérebro, um grosso fio de náilon foi introduzido até o fim da medula. O peixão teve convulsões e por fim ficou inerte. Não se podia dizer se já estava morto, mas "tetraplégico", com certeza A uma milha dali, um grupo de orcas espreitava o espinhel, à espera de um peixão que sobrasse para elas. Albatrozes, petréis e gaivotas revoavam em torno do barco, também em busca de migalhas. No convés, reinava o silêncio entre os homens. A agonia do bicho foi silenciosa. Uma mangueira de água levava o sangue para o mar e o peixe foi armazenado no porão. O ritual ganha escala industrial no navio japonês, uma verdadeira indústria flutuante que pesca, limpa, processa, congela, armazena e exporta. Em vez de lançar 800, são 4.000 os anzóis em seu espinhel. Enquanto os anzóis brasileiros não passam de 100 m de profundidade, os japoneses se infiltram no meio do cardume, entre 200 e 400 m abaixo da linha do mar. De maio até o fim deste mês, três navios japoneses terão frequentado o pesqueiro de Rio Grande: o Kinsai Maru 38, o Kinei Maru 108 e o Shoei Maru 7. No começo de agosto, o Kinsai Maru 38 atracou no porto de Natal. Com os porões lotados, levava 170 toneladas de rico pescado, boa parte já embarcada para o Japão em navio. As cinco toneladas de peixes do Gera 8 foram para o mercado de peixes do Ceagesp, em São Paulo. OBSERVADOR Além dos 30 homens que cuidam da faina no Kinei Maru 108 (para 9 no Gera 8), há ali um tripulante que representa o Ministério da Pesca, encarregado de fiscalizar a produção, registrando espécie, peso, características principais. Para Rodrigo Claudino dos Santos, coordenador-geral de Planejamento e Ordenamento da Pesca Industrial Oceânica do Ministério da Pesca, a presença dos observadores de bordo, como são chamados, "constitui-se em conhecimento adquirido pelo Brasil. Vira patrimônio nacional, que poderá ser usado por pescadores brasileiros". A Folha apurou que os observadores de bordo são pagos pelo armador do barco que devem fiscalizar -oficialmente, R$ 120 por dia. Extraoficialmente, recebem parte do pescado, principalmente cações e tartarugas marinhas. "Isso gera um incrível conflito de interesses", aponta o professor Castelo. "É inadmissível que o Estado brasileiro deixe a cargo dos fiscalizados o salário dos fiscais." No dia 15 de julho, o rádio do Gera 8 interceptou uma conversa entre o observador de bordo do Kinei Maru e seu colega do Kinsai Maru. Observador do Kinei Maru: "Meu irmão, hoje, aqui, o Gera 8, o ilustre Gera 8, deixou de fazer a pescaria dele para vir engrolhar o material dele com o da gente. E ainda trouxe de cãimbra [sic] uma repórter por cima do barco dele, fazendo uma reportagem. A gente está mais famoso." Kinsai Maru: "Não se preocupe. Em caso de bronca judicial, é o teu relatório que vai estar na mesa do homem da capa preta." O observador do Kinei Maru respondeu num português dos mais vivos: "Judicial de cu é rola, meu irmão. O ano que vem eu vou vir aqui com o Rocky 2 [barco de Calzavara] por cima do comando e uma trupe de nordestinos com faca no bucho. Não estou nem aí. A gente está pondo peixe para cima, mais de cem peças por lançamento. Por mim, eu quero que esses caras [os japoneses] pesquem até o peixe voar pela janela. Eu não tô nem aí, brother. O oceano não tem dono não, meu compadre". LAURA CAPRIGLIONE MARLENE BERGAMO

domingo, 5 de fevereiro de 2012

O instante decisivo - A Folha localizou o fotógrafo do cadáver de Herzog

RESUMO A foto de Vladimir Herzog morto nas dependências do DOI-Codi em outubro de 1975 tornou-se um símbolo da repressão promovida pela ditadura (1964-85). A tentativa falhada de simular o suicídio do jornalista enfraqueceu a linha dura. Pela primeira vez, o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira fala à imprensa.

HENRI CARTIER-BRESSON, fundador da mítica agência Magnum e mestre francês da fotografia, definiu num célebre ensaio de 1952 a arte do fotógrafo como a capacidade de captar um instante decisivo, para o qual deve estar alerta.

"Enquanto trabalhamos, precisamos ter certeza de que não deixamos nenhum buraco, de que exprimimos tudo; depois será tarde demais, e não haverá como retomar o acontecimento às avessas", escreveu ele.

O instante decisivo na vida do fotógrafo santista Silvaldo Leung Vieira foi também um instante decisivo para a vida política brasileira. Aluno do curso de fotografia da Polícia Civil de São Paulo, Silvaldo fez em 25 de outubro de 1975, aos 22 anos, a mais importante imagem da história do Brasil naquela década: a foto do corpo do jornalista Vladimir Herzog, pendurado por uma corda no pescoço, numa cela de um dos principais órgãos da repressão, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna).

Publicada na imprensa, a imagem corroborou a tese de que o "suicídio" de Herzog era uma farsa. No mesmo local, três meses depois, o mesmo fotógrafo testemunharia a morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho. Assassinado sob tortura, ele também foi apresentado pelo regime como "suicida".

Historiadores são unânimes: ambas as mortes foram decisivas para mudar os rumos da ditadura.

A Folha localizou Silvaldo em Los Angeles, onde vive desde agosto de 1979, quando saiu de férias do cargo de fotógrafo do Instituto de Criminalística para nunca mais voltar. Pela primeira vez, ele contou detalhes sobre sua atuação na polícia técnica de São Paulo. "Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras", afirmou, por telefone.

Sentindo-se ameaçado e perseguido pelo regime a que serviu, ele afirma não ter tido alternativa a não ser abandonar o emprego no serviço público e também o país.

CONCURSO O "Diário Oficial" do Estado de São Paulo de 6 de junho de 1975 informou, na página 59, o nome dos 24 aprovados no concurso de fotógrafo da Polícia Civil. Silvaldo era o de número 17. As aulas preparatórias, na Academia de Polícia, no campus da USP, começaram no dia 8 de outubro. Deixou a casa da mãe, em Santos, e juntou-se aos estudantes "forasteiros" no alojamento da escola, na Cidade Universitária.

Nascido em 1953, de pai chinês e mãe paulista, Silvaldo se envolveu com fotografia ainda criança, por influência da família. Foi fotógrafo da prefeitura e atuou no jornal "Cidade de Santos". Em 1974, vislumbrou na fotografia científica a oportunidade de "desvendar crimes" e "produzir provas técnicas", além de se aprimorar usando novos equipamentos.

Dezessete dias depois de iniciar o curso, Silvaldo foi convocado para sua primeira "aula prática" no último fim de semana do mês. "Disseram apenas que era um trabalho sigiloso e que eu não deveria contar para ninguém. A requisição veio do Dops", afirma.

O Departamento de Ordem Política e Social, o principal centro de repressão da Polícia Civil, estava sob a influência do delegado Sérgio Paranhos Fleury, que tinha livre trânsito na linha dura das Forças Armadas.

Um motorista levou Silvaldo até um complexo na rua Tutoia, em São Paulo, cidade que até hoje ele diz não conhecer bem.

SUICÍDIOS No Brasil de 1975, os "suicídios" nos porões da repressão eram quase uma rotina. Um deles foi o do tenente reformado da PM paulista e militante do PCB José Ferreira de Almeida, o Piracaia, que morreu após ser detido no DOI-Codi, em agosto. Segundo o relato oficial, Piracaia se enforcou amarrando o cinto do macacão à grade da cela.

Os "suicídios" eram fonte de discussão no governo Geisel (1974-79) e de atritos entre militares e o governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins. Em 1975, segundo "Direito à Memória e à Verdade" (2007), livro editado pela Presidência da República, 14 militantes foram mortos por agentes do Estado.

A ditadura completava mais de uma década tendo aniquilado quase a totalidade da esquerda armada nas grandes cidades e engrossava a caçada aos militantes do Partido Comunista Brasileiro. Mais de 200 pessoas foram presas.

Entre os detidos na ofensiva contra o PCB estava Vladimir Herzog. Aos 38 anos, casado e pai de dois filhos, Vlado, como era conhecido, era diretor de jornalismo da TV Cultura. Profissional com experiência internacional e apaixonado por teatro, ele militava no partido, mas, segundo amigos, não exercia atividades clandestinas, nem poderia ser apontado como um quadro fixo do partido, que àquela altura já considerava a luta armada um grande erro.

Na sexta, 24 de outubro, Vlado foi procurado por agentes da repressão em casa e no trabalho. Decidiu se apresentar espontaneamente no DOI-Codi na manhã seguinte. Nas sete horas em que esteve detido na rua Tutoia, no Paraíso, onde ficava o centro do Exército, o jornalista prestou depoimento e passou por acareações. Segundo testemunhas, morreu após ser barbaramente torturado.

Quando Silvaldo chegou ao DOI-Codi para fotografar o cadáver de Herzog, a cena do "suicídio" estava montada. Numa cela, o corpo pendia de uma tira de pano atada a uma grade da janela. As pernas estavam arqueadas e os pés, no chão. Completavam o cenário papel picado (um depoimento que fora forçado a assinar) e uma carteira escolar.

Na mesma cela morrera Piracaia, segundo o livro "Dos Filhos deste Solo" (Boitempo), de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio.

VIBRAÇÃO Silvaldo chegou ali com uma Yashica 6x6 TLR, câmera tipo caixão, biobjetiva, com visor na parte de cima, semelhante a uma Rolleiflex.

"Eu estava muito nervoso, toda a situação foi tensa. Antes de chegar na sala onde estava o corpo, passei por vários corredores", conta ele.

"Havia uma vibração muito forte, nunca senti nada igual. Mas não me deixaram circular livremente pela sala, como todo fotógrafo faz quando vai documentar uma morte. Não tive liberdade. Fiz aquela foto praticamente da porta. Não fiquei com nada, câmera, negativo ou qualquer registro. Só dias depois fui entender o que tinha acontecido."

Ele diz ter começado a montar o quebra-cabeça no domingo, quando o jornalista foi velado, ao descobrir que tinha fotografado o corpo de Vladimir Herzog. Depois, viu a foto no "Jornal do Brasil", o primeiro veículo da imprensa a publicar a imagem, ainda em 1975. No início dos anos 80, a revista "Veja" a publicaria creditando o autor: "Silvaldo Leung Vieira, Depto. de Polícia Técnica, Secretaria de Segurança Pública, São Paulo, 1975".

"Tudo foi manipulado, e infelizmente eu acabei fazendo parte dessa manipulação", lamenta-se. "Depois me dei conta que havia me metido em uma roubada. Isso aconteceu, acho, porque eles precisavam simular transparência."

NOTA OFICIAL Já antes da divulgação da foto, a versão do suicídio, dada pelos militares em nota oficial, foi recebida com suspicácia. "Cerca das 16h, ao ser procurado na sala onde fora deixado, desacompanhado, foi encontrado morto, enforcado, tendo para tanto utilizado uma tira de pano. O papel, contendo suas declarações, foi achado rasgado, em pedaços, os quais, entretanto, puderam ser recompostos para os devidos fins legais", dizia o texto do 2o Exército.

A nota não batia com o relato da mulher do jornalista, Clarice, que foi avisada por Vladimir de que se apresentaria espontaneamente para depor. Amigos dele, como os jornalistas Rodolfo Konder e Paulo Markun, presos no DOI-Codi no mesmo dia, afirmaram que era possível ouvir gritos e gemidos de Herzog enquanto era torturado.

O Exército afirmou que a tira de pano amarrada no pescoço de Vladimir Herzog, visto pela repressão como um agente da KGB, o serviço secreto da União Soviética, seria a cinta do macacão que usava. Mas os macacões do DOI-Codi não tinham cinta.

Embora o laudo do Instituto Médico Legal afirmasse que a causa mortis foi "asfixia mecânica por enforcamento", Herzog não foi sepultado na ala dos suicidas do cemitério israelita do Butantã, conforme a tradição judaica. A decisão do rabino Henry Sobel foi considerada um desafio ao regime militar.

A foto de Silvaldo mostrava que Vlado "se enforcou" atando o nó na primeira barra da janela, a 1,63 metro de altura. A imagem divulgada à época, contudo, fora cortada: descobriu-se depois, nos arquivos do SNI (Serviço Nacional de Informações), uma versão sem corte, segundo o jornalista Elio Gaspari. Essa imagem mostra a barra superior da janela, que Herzog poderia ter usado se quisesse de fato se enforcar, subindo na carteira escolar e se projetando em vão livre.

SÉ Na semana seguinte à morte do jornalista, São Paulo continuava convulsionada. Além da agitação estudantil na USP (Universidade de São Paulo) que prenunciava as manifestações de 1977, a missa de sétimo dia de Vlado, na catedral da Sé, transformou-se num ato ecumênico de repúdio à ditadura.

Silvaldo conta que "uns dez colegas" seus da Academia de Polícia foram escalados para fotografar alguns dos presentes na Sé. Eles deviam atuar "como fotógrafos de jornal", para identificar supostos subversivos.

Edson Wailemann, 57, formou-se na turma de Silvaldo. Ele ainda se lembra do colega, apesar de não conhecer a história da foto de Herzog. É fotógrafo policial há 37 anos, atuando exclusivamente em casos de homicídio. "Naqueles anos, a polícia técnica sempre atendia a esses chamados, inclusive para os trabalhos dentro das dependências do Exército", confirmou à Folha. "Era comum".

Um ex-agente do antigo SNI que atuava nessa época em São Paulo disse à Folha, sob condição de anonimato, que a história do fotógrafo não é verossímil.

Segundo ele, o DOI-Codi, sob comando do militar Audir Santos Maciel, era um dos lugares mais herméticos do aparato de repressão. Antes de Maciel, o DOI-Codi fora chefiado por Carlos Alberto Brilhante Ustra. Parentes de desaparecidos que estiveram presos lá tentam responsabilizá-los judicialmente, até agora sem sucesso. Ustra e Maciel negam participação em torturas e assassinatos.

A colaboração dos profissionais do Instituto de Criminalística com a repressão, principalmente fotógrafos e peritos, era tão comum que, na virada dos anos 70 para os 80, foi criada uma equipe especial para atender exclusivamente os crimes ou casos políticos. Até ela ser formada, no entanto, vários profissionais foram requisitados.

A conexão da Polícia Civil (Dops) com o Exército (DOI-Codi), mais do que notória, era feita por intermédio de Fleury, entre outros.

"Havia um comando paralelo no Exército, e é bem provável que houvesse também um comando anarquista na Secretaria de Segurança Pública", disse à Folha o ex-governador (1975-79) Paulo Egydio Martins, 84. "Esse era um problema absolutamente crítico, que infelizmente saiu do controle."

AULA PRÁTICA Oitenta e quatro dias depois de fotografar o cadáver de Herzog, Silvaldo foi convocado para outra "aula prática" no DOI-Codi. Era janeiro de 1976, e ele ouviu as mesmas recomendações de que não falasse nada sobre o trabalho. Novamente, a ordem partira do Dops.

O objetivo era forjar outra farsa: a morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, também "enforcado" nas dependências do Exército. Nas contas que Elio Gaspari faz em seu livro "A Ditadura Encurralada" (Companhia das Letras), Fiel Filho "fora o 39º suicida do regime, o 19º a se enforcar. Como Cláudio Manuel da Costa, com as meias, sem vão livre". (O poeta e inconfidente mineiro Cláudio Manuel da Costa foi o patrono dos "suicidas" nas prisões brasileiras. Morreu enforcado com uma meia comprida, em 1789.)

Segundo testemunhas Fiel Filho fora detido pelos agentes do DOI-Codi de sandálias e sem meias. "Fiz fotos do local onde o corpo foi encontrado, mas não me deixaram ver o cadáver. Antes de fotografá-lo, recebi uma ordem de que deveria deixar o local", afirma Silvaldo.

Assim como ocorreu na morte de Vlado, o 2º Exército, responsável pelo Estado de São Paulo, divulgou nota atestando o "suicídio". Mas não houve publicidade da imagem do morto no DOI-Codi.

"Eu sabia que eles tinham feito merda, mas nessa segunda vez eu estava mais relaxado, fiz até um comentário: 'Aqui acontecem coisas estranhas'", lembra Silvaldo. "Um oficial do Exército que me acompanhava, que parecia ser muito jovem, me ameaçou: 'É melhor ficar calado e não comentar nada. Se você não calar, a gente te cala'."

Não se sabe se o cadáver do metalúrgico foi fotografado dentro do DOI-Codi. "O que se conhece é uma imagem do corpo dele nu, no necrotério", conta o jornalista e cineasta Jorge Oliveira, que a expôs no documentário que produziu, "Perdão, Mr. Fiel", em que narra, como diz o subtítulo do filme, a história do "operário que derrubou a ditadura no Brasil".

Separados por poucos meses, os assassinatos de Herzog e Fiel Filho expuseram o descontrole e a anarquia dos porões. A linha dura, que não aceitava a distensão "lenta e gradual" que o presidente Ernesto Geisel pretendia levar a cabo, resistia, com o argumento de que o Brasil ainda estava ameaçado pelo comunismo.

A queda de braço da linha dura com Geisel e seu ministro Golbery do Couto e Silva (1911-87), que levou à queda do general Ednardo D'Avila Mello, chefe da Força em São Paulo, em 1976, e do ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977, é narrada em detalhes por Elio Gaspari em "A Ditadura Encurralada".

"Tenho para mim que esses acontecimentos foram a raiz das Diretas-Já", avalia o ex-governador Paulo Egydio Martins.

TAREFAS Em abril de 1979, quando o país discutia a Lei da Anistia, Silvaldo recusou-se a participar de uma tarefa -da qual ele diz não se lembrar. Desde julho de 1976, já estava efetivado como fotógrafo da Polícia Civil de São Paulo, segundo seu registro funcional da Secretaria de Segurança Pública.

No documento, vê-se que passou pela delegacia de Santos, a de acidentes de trânsito e, por fim, a Darc, Delegacia de Arquivos e Registros Criminais, onde era responsável por registrar os presos condenados antes que fossem transferidos para os presídios.

"Mas o trabalho ia sempre além", conta, "e muitas vezes tinha que fotografar também presos políticos, alguns que acabavam de sair das sessões de tortura. Eu não aguentava aquilo, reclamava que minha atribuição não me permitia fazer esse serviço. E quanto mais eu questionava, mais a situação ficava delicada."

Silvaldo diz que os superiores passaram a fritá-lo por sua atitude questionadora: não podia tirar férias e chegou a ser suspenso.

Segundo registro da Polícia Civil ao qual a Folha teve acesso, Silvaldo foi afastado por três dias, nos termos da lei estadual no 207, de 1979, por "descumprimento dos deveres e transgressão disciplinar". Em agosto, finalmente tirou férias e deixou o Brasil.

EUA Em Los Angeles, onde está radicado desde então, Silvaldo conta ter feito um pouco de tudo: como imigrante ilegal, ganhou dinheiro jogando xadrez e até como aprendiz de ourives, emprego que conseguiu graças a um empresário grego radicado nos EUA que era casado com uma conhecida dele de Santos.

De lá, acompanhou o apagar das luzes da ditadura e viu a União ser condenada pela morte de Manoel Fiel Filho, em 1995 -no caso Herzog, a primeira condenação da União ocorreu ainda em 1978. (Ainda assim, setores das Forças Armadas frequentemente divulgam informações dando conta que Herzog e Fiel Filho se mataram, omitindo os assassinatos. Em 1993, um relatório da Marinha dizia que Vlado se suicidou no DOI-Codi.)

Em 1986, foi favorecido pela Lei da Anistia da Imigração Americana, promovida pelo governo de Ronald Reagan (1981-89); dois anos depois, ganhou o visto de residência temporária; em 1989, veio o selo de residente permanente. Hoje trabalha no Good Shepperd Center, instituição beneficente voltada para mulheres e crianças sem-teto.

O abandono do cargo público ainda lhe traz problemas. No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), convidado a trabalhar no setor cultural do Consulado em Los Angeles, não pôde assumir o posto: a infração administrativa até hoje o impede de voltar ao serviço público. 


Silvaldo protocolou pedido em 2008 na Comissão da Anistia do governo federal para tentar receber indenização pelo tempo de serviço como fotógrafo da Polícia Civil. Alega ter abandonado o cargo por causa da perseguição política.

"Infelizmente eu estava no meio do caldeirão, sempre foi muito difícil para mim entender todo esse processo", conta. "O único conforto é pensar que a foto que fiz do Herzog ajudou a desmontar toda a farsa". Separado e sem filhos, ele planeja voltar para o Brasil para ficar ao lado da mãe octogenária.

Ele não pretende voltar apenas para casa, mas também para a fotografia. Admirador dos fotógrafos Sebastião Salgado e Gale Tattersall (britânico que se especializou em fotos para o cinema), Silvaldo programa uma viagem ao Alasca com um grupo de Los Angeles, para registrar paisagens, em uma espécie de workshop.

"Preciso me atualizar, comecei na fotografia na era do preto e branco. Mudou muito."

Pela primeira vez, Silvaldo contou detalhes de sua atuação na polícia de São Paulo. "Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras", disse

O Exército afirmou que a tira de pano amarrada no pescoço de Herzog seria a cinta do macacão que usava. Mas os macacões do DOI-Codi não tinham cinta

Silvaldo diz que os superiores passaram a fritá-lo por sua atitude questionadora: não podia tirar férias e chegou a ser suspenso. Em agosto de 1979, tirou férias e deixou o Brasil.

LUCAS FERRAZ

sábado, 5 de novembro de 2011

Aos 75, Verissimo troca musas pela neta

Aos 75, Verissimo troca musas pela neta

Autor de "mais de 50, menos de 100" livros, o escritor gaúcho lança novo volume de crônicas e diz sentir a idade

Ele recebeu a Folha na casa que foi a de seu pai, para falar de "Em Algum Lugar do Paraíso" e da rotina

FABIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Luis Fernando Verissimo, doravante LFV, não lembra exatamente um príncipe.
Mas é assim -"meu príncipe"- que tem sido chamado pela pessoa mais importante da vida dele nestes últimos tempos, a neta Lucinda, de três anos.
(Quem revelou a inconfidência não foi o encabulado escritor, mas a mulher dele, Lúcia, quando o repórter deixava a casa do casal em Porto Alegre na última quinta).
Aos 75 anos, um dos cronistas mais populares do país, com mais de 5 milhões de livros vendidos, LFV revela que a companhia da neta, filha da primogênita Fernanda, é um dos grandes prazeres que mantém na velhice.
Os outros são tocar saxofone -a banda dele, Jazz 6, faz show em São Paulo na segunda-, viajar e ir ao cinema.
"A morte é uma injustiça, esse é a melhor descrição. Mas a gente tem de conviver com isso. Sou cardíaco, diabético e tenho 75 anos, tô aí na espera."
"A gente vai ficando mais lento de pensamento. Nesse sentido, estou sentindo a velhice. Mas aí é tentar aproveitar a vida da melhor maneira. Enquanto der para aproveitar a nossa neta, ir ao cinema, viajar, a gente vai levando."
Das doenças, queixa-se somente de ser forçado a parar de comer doce, uma paixão.
Autor de tantos livros que nem ele sabe ao certo a conta -mais de 50, menos de 100; a editora fala em 73, mas inclui reedições-, LFV lança agora mais uma reunião de crônicas que publica nos jornais "O Globo", "O Estado de S. Paulo" e outras dezenas.
Por isso recebeu a Folha em sua casa na capital gaúcha, no bairro de classe média Petrópolis, a mesma casa comprada em 1942 pelo pai dele, o escritor Erico Verissimo, que a ampliou e espalhou nela marcas de memória.
Deu entrevista no escritório que hoje guarda a biblioteca do pai, objetos e quadros -Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Glauco Rodrigues etc. Depois guiou a reportagem a um tour por outros cômodos lugar: os dois escritórios, ou "tocas", como os chama, no subsolo, uma que era de Erico, outra usada por ele, e até o diminuto quarto do casal.
No criado-mudo de LFV, dois exemplares de revistas americanas, "The New Yorker" e "The Nation", um romance de Saul Bellow ("Ravelstein"), narrativas de Allan Bennett ("Smut").
Tudo em inglês. LFV conta que lê principalmente nesse idioma. Em português, diz que tem lido mais para se informar: quatro jornais -Folha, "O Globo", "O Estado de S. Paulo" e "Zero Hora"- e a revista "Carta Capital".
"Lia a 'Veja', mas deixei de ler", disse, sem ser questionado. "A 'Veja' está braba, se transformou numa espécie de boletim da direita brasileira. Era uma revista muito bem-feita, teve grandes fases."
A assessora lembra, e LFV então relata, o desagrado do escritor com uma reportagem da revista que o incluía entre autores que recebiam para escrever orelhas e prefácios.
Procurada, a direção da "Veja" afirmou que "não faz comentários sobre declarações de ex-colaboradores".
LFV, que diz nunca ter escondido sua simpatia pelo PT, avalia o governo Dilma como "nota 7", a mesma que dá à gestão de Lula, que "decepcionou a esquerda, mas também a direita, porque não foi um fracasso completo, teve distribuição de renda".
"Em Algum Lugar..." volta a tratar dos temas comuns a LFV: comédias da vida privada, histórias carregadas de nonsense. Sente-se falta ali das históricas musas do escritor -Patrícia Pillar, Luana Piovani, Luma da Oliveira, Patrícia Poeta etc.
"Achei que não estava mais na idade", binca LFV, para depois dizer que continua sendo "grande admirador" de Pillar. E cita uma nova paixão, a atriz argentina Soledad Villamil, de quem ganhou recentemente um beijo após apresentação musical dela em Porto Alegre.

EM ALGUM LUGAR DO PARAÍSO
AUTOR Luis Fernando Verissimo
EDITORA Objetiva
QUANTO R$ 36,90 (184 págs.)

SHOW DA BANDA JAZZ 6
QUANDO 2ª, 7/11, às 19h
ONDE Sesc Consolação (r. dr. Vila Nova, 245, 00/xx/11 3234-3000)
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO livre



'Falta calor humano ao livro eletrônico'

DO ENVIADO A PORTO ALEGRE

Abaixo, LFV completa sentenças iniciadas pela Folha. (FV)


A faxina da Dilma é...
Até agora incompleta.
A Dilma é
Pelo que sabe, uma boa administradora.
O câncer de Lula é...
Lamentável, como o câncer de qualquer pessoa.
A Copa de 2014 no Brasil vai ser...
Vamos ver se vai ser.
O limite do humor é...
Não deve ser nenhum.
Rafinha Bastos...
Tem seu talento.
O novo humor da TV é...
Acho que é um avanço.
As redes sociais são...
Uma terra de ninguém e de todo mundo.
O livro eletrônico é...
Prefiro dizer o que ele não é. Não é nada do que a gente gosta num livro.Falta calor humano.
Obama...
Era uma esperança, hoje é uma frustração.
Paulo Coelho é...
Um fenômeno cultural.
Mano Menezes é...
Imagino que seja competente, mas ainda não há provas.
Neymar é...
É curioso, porque é tipo de jogador que há pouco tempo se dizia que estava superado -franzino, frágil. Hoje é o grande jogador brasileiro. As coisas mudam.
Eu tenho saudade...
Dos meus 20 anos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"Deu uma risada daquelas que arrasa"

PASQUALE CIPRO NETO




Em textos literários e na linguagem espontânea, o emprego do verbo no singular é recorrente

RECEBO UM TELEFONEMA de ninguém menos do que o grande Ziraldo. Como faz sempre que conversamos, o Mestre brinca comigo culpando-me de algo (linguístico) de que não tenho culpa. Aliás, muita gente gosta disso (e sem o tom de brincadeira e respeito de Ziraldo).
Uma das últimas culpas que me atribuíram é relativa a uma tola lista de provérbios, "corrigidos" por mim. A bobagem (que nunca escrevi) circula pela internet, normalmente com este título: "Direto do professor Pascoale" (meu nome é Pasquale). E ali se diz, por exemplo, que o certo é "Quem tem boca vaia Roma" (em vez de "vai a Roma"). Jogue isso no lixo, caro leitor, pelo amor de Deus.
Pois bem. Ziraldo me ligou para pedir explicações, apoio, solidariedade etc. Explico: na próxima obra de Ziraldo ("O Capetinha do Espaço", escrita em versos alexandrinos), Mercúrio faz uma "sacanagem" com Plutão ("Mercúrio era um grande...", diz Ziraldo, rindo). Aí entra esta passagem: "E deu uma risada daquelas que arrasa".
Entre as formas "arrasa" e "arrasam" ("uma risada daquelas que arrasa/arrasam"), Ziraldo optou por "arrasa", que rima com "casa", palavra que encerra o verso alexandrino seguinte, dito por Plutão ("Eu não posso levar desaforo pra casa"). Convém lembrar que verso "alexandrino" é o que tem 12 sílabas poéticas. O busílis (o xis do problema) está justamente na escolha de Ziraldo, que diz que querem que ele troque "arrasa" por "arrasam", o que mataria a rima com "casa".
Vou resumir o que eu disse a Ziraldo sobre o caso. Em textos jornalísticos, informativos, técnicos, jurídicos etc., o plural dá de goleada, por motivos compreensíveis. Quando se diz que Chico Buarque é um dos compositores que melhor traduzem a alma feminina, fica claro que não se diz que Chico é o que melhor traduz a alma feminina; o que se diz é que Chico integra o grupo dos que melhor traduzem a alma da mulher.
Quando se diz que a polícia brasileira é uma das que mais precisam de reciclagem, não se diz que ela é a que mais precisa de reciclagem; diz-se que algumas (diversas) polícias precisam mais do que outras e que a polícia brasileira é uma dessas.
Mais um exemplo: "A Bovespa foi das que mais caíram na última segunda-feira". O que se diz? Que a Bovespa foi a Bolsa que mais caiu? Não; o que se diz é que muitas Bolsas tiveram quedas expressivas e que a Bovespa foi uma dessas.
Em textos "frios", de fato o plural predomina, mas, em se tratando de textos literários e da linguagem espontânea, familiar, o predomínio do plural não é tão evidente... Nesses territórios da linguagem, a flexão do verbo no singular é recorrente, como se vê neste exemplo (citado por Evanildo Bechara em sua "Moderna Gramática Portuguesa"): "Um dos nossos escritores modernos que mais abusou do talento...".
Celso Cunha e Lindley Cintra citam estes dois exemplos: "O homem fora um dos que não resistira a tal sortilégio" (Fernando Namora); "...um dos primeiros homens doutos que escrevia em português sem mácula" (Camilo Castelo Branco).
O fato é que os exemplos vistos mostram que em certos casos o falante/escritor opta pela forma verbal que melhor traduz sua intenção, que, nos casos vistos, é a de enfatizar o verdadeiro agente do processo expresso. Quem diz algo como "Seu olhar é das coisas que mais me encanta" é levado pela força do encanto provocado por esse olhar a enfatizá-lo, o que se traduz pela opção por "encanta". Mutatis mutandis, pode-se dizer o mesmo da opção de Ziraldo em "uma risada daquelas que arrasa". A forma "arrasa" põe toda a carga de ênfase sobre a risada de Mercúrio. É isso.

inculta@uol.com.br

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A fantasia (presumida) de DSK

CONTARDO CALLIGARIS




No caso (presumido) de DSK, a fantasia diz: "Eu te uso, e você não vai ousar nem piar sobre isso"


LI NO "Times" de Londres desse domingo que Dominique Strauss-Kahn (DSK, na imprensa francesa), no dia de sua prisão, sentou-se numa poltrona de primeira classe do Air France 23 para Paris e fez um comentário sobre a aeromoça da cabine: "Bonita bunda". Isso, num tom suficientemente alto para que outros passageiros (e, presumivelmente, a própria aeromoça) ouvissem.
A seguir, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional e candidato socialista à Presidência da França foi retirado de seu assento e preso, acusado do estupro de uma mulher que entrara na sua suíte de hotel para fazer a limpeza.
Desde então, outras mulheres vieram a público para revelar que elas foram, no passado, vítimas de assédio sexual ou estupro por Strauss-Kahn. Todas declaram que calaram-se, convencidas de que a palavra delas pesaria menos do que a do poderoso DSK.
A quantidade e qualidade das acusações excluem a hipótese de armação da extrema direita francesa, que se beneficiaria com a saída de cena do candidato socialista.
Pois bem, DSK não foi julgado ainda. Mas apareceram numerosos comentários de leitores e colunistas da imprensa internacional, dos quais discordo -e talvez seja interessante explicar por quê.
Imaginemos que as acusações contra Dominique Strauss-Kahn se confirmem. Muitos perguntam: como é possível que um homem prestes a realizar seu sonho político não saiba se controlar e se deixe levar por compulsões "animalescas"?
Para Minette Marrin (do "Times"), "quando ele é possuído pelo espírito do "chaud lapin" (coelho excitado), DSK perde qualquer interesse pelos sentimentos de uma mulher. Ele os ignora e se impõe à mulher, agarrando-a e amassando-a como um dono (...) que não vê nada de errado na ideia de que a mulher não goste; talvez ele nem seja capaz de entender se ela gosta ou não".
Ora, o padrão presumido de DSK não é "animalesco" e é totalmente consistente com seu projeto de vida. Ou seja, o que acontece não é que Strauss-Kahn não controlaria um impulso secreto, que não teria nada a ver com sua vida pública. Ele não pula em qualquer mulher, aconteça o que acontecer. Ao contrário, aparentemente, sua fantasia dominante é a expressão coerente de uma ambição política, de domínio.
Ou você acha que é por acaso que ele teria escolhido mulheres que ele conseguiu manter no silêncio pela simples força de seu status?
A fantasia em jogo no caso (presumido) de Strauss-Kahn é mais complexa (e mais grave) do que o "simples" estupro; ela diz: "Eu te agarro, te uso, E VOCÊ NÃO VAI OUSAR NEM PIAR SOBRE ISSO".
Diferente do que diz Marrin, o Strauss-Kahn das denúncias se importa muito com o que pensam as mulheres, pois ele preza (acima de tudo, talvez) a frustração e a impotência exasperada de suas vítimas, incapazes de denunciá-lo.
Ou seja, à vista das acusações, DSK goza de uma fantasia de poder (mais do que propriamente sexual): seu prazer está em criar uma situação em que a vítima será e se sentirá derrotada, no silêncio. O caso relatado pelos passageiros da Air France é emblemático: a aeromoça não falaria, exatamente como as outras.
De repente, em Nova York, uma camareira imigrante africana teve a coragem de falar.
A ideia de que o senhor feudal teria o direito de deflorar as noivas de suas terras (dito "direito da primeira noite") é provavelmente um mito -ao menos, enquanto instituição jurídica.
Mas o tal "droit de cuissage" (direito de encoxar), embora não instituído, devia ser uma fantasia exercida sem dificuldade e sem risco: quem ousaria se queixar de ser agarrada pelo senhor das terras, e qual noivo ousaria pedir satisfação?
A família de meu pai é originária de uma cidade perto de Ivrea, no Piemonte, onde se celebra o carnaval com a Batalha das Laranjas.
É assim: uma jovem da cidade é escolhida "filha do dono do moinho" e simboliza uma mulher do povo, que cortou a cabeça de um duque que exigiu passar com ela a famosa primeira noite.
Milhares de cidadãos, vestidos a caráter, do domingo à terça de Carnaval, metralham com laranjas os guardas do duque que desfilam pela cidade de charrete. Alguns dizem que é um despropósito: são toneladas de laranjas desperdiçadas, a cada ano. Mas eu sempre achei que valia a pena.

ccalligari@uol.com.br


quarta-feira, 11 de maio de 2011

Parte dos cartórios ainda não registra união gay


Em levantamento feito ontem, 4 disseram aguardar comunicado oficial

Outros 23 afirmaram que já registravam a união entre pessoas do mesmo sexo antes da decisão do Supremo

REYNALDO TUROLLO JR.
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Quatro dias após o Supremo Tribunal Federal ter decidido que não há diferenças entre uniões estáveis heterossexuais e homossexuais, quatro cartórios de notas da cidade de São Paulo informaram ontem que ainda não fazem a escritura pública de união estável gay.
O documento é o primeiro passo para os casais gays que querem pleitear os mesmos direitos que os casais hétero, como recebimento de herança e pensão.
A Folha conseguiu contato com 27 dos 30 cartórios da capital e perguntou se a escritura de união estável gay poderia ser feita.
Quatro deles disseram que esse serviço ainda não estava disponível porque aguardavam comunicação oficial da Justiça. São eles: o 4º Cartório de Notas, no Jardim América (zona oeste), o 8º, no centro, o 19º, em Pinheiros (zona oeste), e o 22º, no Jardim Paulista (zona oeste).
Todos os 23 restantes afirmaram que já registravam a união entre pessoas do mesmo sexo antes mesmo da decisão do Supremo.
A reportagem não conseguiu contatar o 5º, o 12º e o 24º cartórios de notas. O CNB-SP (Colégio Notarial do Brasil) afirmou que a comunicação da Justiça não é necessária para permitir o registro das uniões gays.
Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, não há regulamentação de sua Corregedoria, órgão que fiscaliza os cartórios, para que eles façam a escritura de convivência entre pessoas do mesmo sexo -""varia de cartório para cartório". O TJ diz ainda que, para obrigá-los a fazer o registro, é necessário criar uma regulamentação.
A Anoreg (Associação de Notários e Registradores do Brasil) afirmou ontem que já recomendou aos tabelionatos "conceder aos usuários a escritura declaratória de união homoafetiva".
"O notário tem o poder discricionário de negar, se achar que isso é contrário à moral. Mesmo assim, há o interesse da classe de se engajar, recomendando que todo mundo aceite as escrituras", diz o consultor jurídico da Anoreg, Frederico Viegas.
De acordo com o CNB, o tabelião que se recusar tem de fundamentar a negativa.

SEM PADRONIZAÇÃO
O levantamento da Folha também revelou que não há padronização dos procedimentos de registro. Os termos usados nas escrituras variam em cada cartório: união estável e união homoafetiva são os mais comuns. Segundo o CNB, porém, o nome dado ao ato não altera seus efeitos jurídicos.
Em comum, os documentos lavrados nos diferentes cartórios tinham apenas o preço: R$ 267,92. O registro, por si só, não comprova a união. Assim como para os héteros, a convivência tem de ser provada por testemunhas e documentos, caso seja questionada durante ação na Justiça.

Colaborou LUCIANO BOTTINI FILHO

Após protestos, governo desiste de metrô na Angélica


Estado tira estação da principal via de Higienópolis, bairro da elite paulistana, e cria uma no entorno do Pacaembu

Em Higienópolis, moradores dizem que "prevaleceu o bom-senso'; Associação Viva Pacaembu reclama


Rodrigo Capote/Folhapress
Cruzamento da av. Angélica com a r. Sergipe, em Higienópolis, onde seria construída estação da linha 6-laranja do metrô

JOSÉ BENEDITO DA SILVA
DE SÃO PAULO

Após pressão de moradores, empresários e comerciantes de Higienópolis, bairro de alto padrão no centro da capital, o governo de São Paulo desistiu de uma estação do metrô na avenida Angélica, a principal do bairro.
A estação integraria a linha 6-laranja, que vai da Brasilândia (zona norte) ao centro, passando por bairros como Perdizes, Pompeia e Santa Cecília e universidades como Mackenzie, PUC e Faap.
Com isso, o governo reativou o projeto de uma estação na praça Charles Müller, no estádio do Pacaembu.
A proposta de instalar a estação Angélica surgiu em junho de 2010, sob o argumento de que uma pesquisa mostrava que havia demanda de passageiros no local. Já a nova configuração foi apresentada pelo Metrô em audiência pública na semana passada.
A mudança veio após protestos da Associação Defenda Higienópolis, que reuniu 3.500 assinaturas contra o plano, com campanhas na rua e no Twitter.
Os moradores alegavam que a nova estação ampliaria o fluxo de pessoas no local, com o consequente "aumento de ocorrências indesejáveis", além da transformação da área em "camelódromo".
A entidade também apontava que a região já tinha estações suficientes. "Prevaleceu o bom-senso", afirma o presidente da associação, o empresário Pedro Ivanow.
A Angélica, alega Ivanow, ficaria a três quadras da estação Mackenzie e a quase 2 km da PUC-Cardoso de Almeida.
Segundo ele, em reunião na última semana de abril, o secretário dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, concordou com o argumento. "Ele me disse que era totalmente favorável à exclusão da Angélica", diz.

PACAEMBU
A reviravolta irritou a Associação Viva Pacaembu. "Se o governo desistiu por pressão, sem considerar a análise prévia de demanda, acho pernicioso", diz a presidente, Iênidis Benfati.
Para ela, o principal problema da estação Pacaembu será em dias de jogos. Hoje, diz, as torcidas são pulverizadas pelas estações Sumaré, Clínicas, Marechal Deodoro e Barra Funda. "Até a PM não recomenda centralizar a torcida em uma estação."
Não foi a primeira vez que o governo Geraldo Alckmin (PSDB) desistiu de uma estação após protesto. Em 2005, ele abandonou a ideia de construir a estação Três Poderes, da linha 4-amarela, na região do Morumbi, depois de pressão de moradores.

Colaboraram ELEA ALMEIDA, JOSÉ PETROLA e PATRÍCIA BRITTO

Folha de São Paulo